Quem é Patrícia para você?
A Patrícia ainda é uma pessoa em construção. Minha descoberta como mulher trans é muito recente ainda, então eu ainda estou entendendo o que faz parte da minha essência e o que era só uma farsa para sobreviver nesse mundo. No entanto, algumas coisas eu sei muito bem que fazem parte de mim. Eu sou uma pessoa extremamente leal e levo isso muito a sério. Não se brinca com quem eu amo, mas também não se recupera essa lealdade facilmente. Sou muito curiosa também. É comum você me encontrar duas vezes na mesma semana e eu estar estudando coisas radicalmente diferentes nesses dois dias, como eletrônica e o melhor ponto para franzir um cós. Ah, e comunista!
Também sou muito esforçada, mas perco o interesse rapidamente. Bota na conta do hiperfoco hahaha
Quem é Patrícia para o mundo?
Eu acho que o mundo me vê como uma pessoa muito divertida e extremamente ansiosa. Eu gosto de pensar que a primeira característica é verdadeira, enquanto a segunda eu tenho certeza que é. Também sinto que o mundo me vê como uma pessoa bastante rígida, tanto consigo mesma quanto com os outros. Criativa, atenciosa e doce foram adjetivos que já ouvi serem usados para mim tanto quanto desatenta, estressada e ríspida.
Mas uma coisa é certa. O mundo diz que eu falo demais. Para quem é próximo eu só rio. Para o resto do mundo, eu aviso que eu vou falar ainda mais, e ele vai ter que me escutar.
O quê a Patrícia faz atualmente?
Patrícia faz muitas coisas atualmente e sempre. Como compositora eu estou sempre improvisando no meu piano para saber quando eu vou criar uma melodia que eu pense valer a pena usar numa peça musical. Estou no meio da composição de uma ópera, mas está parada atualmente. Relacionado a música eu também tento tocar todo tipo de instrumento. Minha paixão é a minha sanfona (ou gaita 😜 ). Eu também canto, mas nunca pensei em fazer algo profissional, como cantar na noite, etc. Como atriz eu fiquei parada durante a pandemia e até então não tenho conseguido montar um grupo de Teatro para colocar minhas ideias em prática. Como programadora, eu sou desenvolvedora na Amazon há um ano e meio. Lá dentro eu me integro em todo tipo de iniciativa de inclusão, seja de minorias, seja de integração do time como um todo.
Como a faculdade de teatro foi para você?
Foi reveladora e muito divertida, quando não angustiante. Eu aprendi como consumir arte, como criticar arte, e principalmente como escutar os outros. Isso é algo que eu tinha muita dificuldade antes. Ah, e eu descobri que era trans na faculdade de Teatro, embora eu achasse que era gênero-fluido. Essa descoberta foi bastante dolorosa no momento, porque eu não estava apenas descobrindo minha identidade de gênero. Eu também estava fazendo minha namorada da época descobrir a sexualidade dela, porque de repente ela não estava mais namorando um homem. Além de tudo isso, não houve ainda lugar nessa vida minha onde eu pudesse exercer e exercitar tanto minha criatividade.
Como a sua prática de teatro te auxilia na atualidade?
Eu sinto que me ajuda muito em me colocar no lugar do outro. Afinal, esse é literalmente o trabalho de toda atriz. Além disso, melhorou muito minhas habilidades de comunicação, inclusive como prender a atenção das pessoas. Desde movimentos corporais, faciais, tom de voz, as experimentações feitas na época me deram muitas ferramentas para imprimir no público a sensação que eu desejo. Claro que não sou perfeita. Eu ainda dou muita bola fora e faço uns discursos gigantescos que ninguém aguenta ouvir até o final. Mas é melhor que a maioria hahaha
Como você se tornou uma pessoa não-monogâmica?
Eu sempre tive dificuldades com a monogamia. Eu sou uma pessoa que precisa que uma atenção afetiva que poucas pessoas estão disponíveis para despender, então eu sempre careci de atenção nos meus relacionamentos. Some isso ao fato de que eu não poderia encontrar esse afeto num outro relacionamento afetivo fora dos meus namoros e você tem a receita da insatisfação. Meu primeiro relacionamento não-monogâmico foi o último, com meu ex-noivo. Isso funcionava muito bem. Ele tinha suas paqueras (até quase um namorado) e eu tinha as minhas. Era uma delícia conversar com ele sobre as paqueras hahaha
Então eu só me tornei não-monogâmica quando eu finalmente encontrei uma comunidade que pensa assim como eu e encontrei lá uma pessoa que estava pronta e inclusive requeria um relacionamento não-monogâmico. Tivemos nossas questões, evidentemente, já que a sociedade hétero-cis-monogâmico-normativa nos ensina que relacionamentos são baseados em posse e controle, e que o desrespeito a essa norma é sinal de desinteresse. Como sempre, luta, luta, luta.
O quê são comunidades para você?
Comunidades para mim são lugares onde eu posso encontrar pessoas que tem os mesmos interesses que eu. Nem sempre são lugares seguros a todas as minhas características. Comunidades de tecnologia, por exemplo, não eram muito receptivas para mim mesmo quando eu era um homem que estudava Teatro. Agora como mulher trans não-monogâmica comunista? Não imagino que haja muitas que me acolheriam. A Feministech foi uma feliz exceção, e eu me sinto muito contente de ter sido encontrada por elas. Essa comunidade aliás ressignificou para mim esse conceito, que passa a não significar apenas lugares para encontrar pessoas para trocar conhecimentos específicos, mas também um lugar para encontrar pessoas com quem você quer interagir e potencialmente incluir na sua vida.
Como você conheceu as comunidades de tecnologia?
A primeira comunidade de tecnologia que eu conheci foi o GUJ, Grupo de Usuários Java. Como meu início foi com Java, essa comunidade foi muito importante para eu aprender mais do que o meu ensino técnico tinha me ensinado. Nunca me envolvi ativamente em comunidades até a Feministech, então tem uns 12 anos entre o GUJ e a Feministech.
Quais são seus sonhos?
Eu gostaria muito de construir minha casa. Na verdade, construir uma vila, onde todas as pessoas que eu amo possam morar pertinho de mim. Legalização do casamento não-monogâmico seria uma grande conquista. Além disso, claro, a Revolução Comunista, nos liberando das garras do imperialismo e acabando com essa concentração de renda absurda.
Os sonhos escalaram bastante, mas essa sou eu: uma pessoa insaciada e insaciável que busca com bastante sede aquilo que acha que merece, e isso inclui mudanças estruturais aparentemente (e somente) intransponíveis.
Mas o mais íntimo de todos: eu gostaria de olhar todo dia no espelho e ver uma mulher lá. Isso tem melhorado, mas está longe de ser uma experiência constante.
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